Aviturismo em Gonçalves - MG
- Rita Sousa

- 4 de set.
- 9 min de leitura
A pequena cidade no sul de Minas Gerais atrai muitos turistas, principalmente na temporada de inverno. Uma parcela deste público, viaja por uma razão especial: as aves. Este tipo de turismo já tem nome próprio e neste artigo, explico sobre este segmento do ecoturismo — sua origem, oportunidades, fragilidades e desafios. Além disso, mostro porque Gonçalves surge no mapa do aviturismo com vantagens tanto para os visitantes quanto para o município.

O que é aviturismo?
O turismo com foco principal na atividade de observação de aves ganhou uma terminologia específica, o aviturismo. A origem do termo é incerta, mas a atividade já é presente no Brasil desde a chegada de Pero Vaz de Caminha (uma história que vou contar mais à frente).
A nomenclatura é fácil de entender, ela une as palavras aves e turismo para segmentar uma modalidade do ecoturismo. Onde a motivação de viajar, vem do ato de passarinhar, ou seja, observar aves.
A pessoa que viaja com o objetivo de contemplar espécies de aves, mesmo que seja para uma cidade vizinha, é quem impulsiona o aviturismo. Afinal, todo mundo que observa aves gosta de visitar áreas conservadas, conhecer pontos históricos, prestigiar artesãos, livrarias, gastronomia tradicional e, claro, participar de eventos que promovam a prática.
Desta forma, o setor envolve todos os agentes ligados ao turismo, seja de forma direta (rede de hospedagem, restaurantes, agências, guias, organizadores de eventos, Unidades de Conservação) ou indireta (comércios e serviços em geral).
O aviturismo movimenta bilhões de dólares por ano no mundo, já transformou a economia de cidades inteiras e fortalece decisões ligadas à conservação ambiental e à valorização das culturas locais. O estado do Mato Grosso do Sul é um grande exemplo nacional.
No Brasil, o aviturismo está ganhando forma. Este ano (2025), o Ministério do Turismo em parceria com a UNESCO, abriu uma consulta pública para realizar o diagnóstico nacional do turismo de observação de aves. Essa iniciativa pode fortalecer o setor com políticas públicas essenciais para o desenvolvimento com foco na conservação da natureza.
Se o Poder Executivo está se mobilizando a ponto de promover um estudo aprofundado sobre o aviturismo, é porque as proporções da atividade estão visíveis. Precisamos, portanto, compreender a situação para ter organização, direcionamento e suporte especializado.
Chegamos a este ponto, mas como o aviturismo começou no Brasil?
O início do aviturismo no Brasil

Antes mesmo da chegada dos colonizadores, os povos originários já observavam aves de maneira atenta e sistemática. Eles reconheciam cantos, hábitos e aparências, criando formas próprias de classificação e transmitindo esse conhecimento de geração em geração. Como não existiam limites administrativos e a relação de moradia era outra, o turismo não existia até os primeiros europeus pisarem em terras brasileiras.
Quando eles chegaram, começaram imediatamente a registrar a abundância da avifauna. Um exemplo notável está na carta de Pero Vaz de Caminha, que descreveu papagaios verdes e pardos cruzando os céus da nova terra. Já naquela época, ficava evidente a riqueza que hoje sabemos ser única: o Brasil abriga aves com uma diversidade incomparável.
Trecho da Carta de Pero Vaz de Caminha ao Rei de Portugal:
“Enquanto andávamos nesta mata a cortar lenha, atravessavam alguns papagaios, por essas árvores, deles, verdes, e outros, pardos, grandes e pequenos, de maneira que me parece que haverá nesta terra muitos, mas eu não veria mais que até nove ou dez. Outras aves, então, não vimos; sómente algumas pombas seixas e pareceram-me maiores, em boa quantidade, que as de Portugal. Alguns diziam que viram rolas, mas eu não as vi, mas, segundo os arvoredos são mui, muitos e grandes e d'infindas maneiras, não duvido que por esse sertão haja muitas aves.”
Essa carta é (provavelmente) o primeiro relato sobre as aves brasileiras a partir do olhar de um viajante. Depois de Pero, muitos naturalistas vieram pesquisar, estudar, descrever e conhecer a biodiversidade da famosa “Terra dos Papagaios” ou, na linguagem científica, “Terra dos Psittacidae”.
Espécies de Psittacidade encontradas em Gonçalves - MG.
O nome de nosso país foi referência a este grupo de aves, justamente pela quantidade de espécies encontradas: papagaios, maitacas, periquitos, tiribas, apuins, araras, jandaias e maracanãs. Somente este grupo já é representado por 87 espécies que ocorrem no Brasil, mas infelizmente, nem todas podem mais ser observadas livremente pelos céus.
A arara-azul-pequena é considerada extinta, não há registros da espécie na natureza ou em cativeiro há mais de 80 anos.
Outro caso que merece ser mencionado é o da ararinha-azul. A espécie foi considerada extinta na natureza por 20 anos, devido ao tráfico de aves. Após recentes tentativas de reintrodução (iniciadas em junho de 2022), 20 indivíduos foram soltos na Caatinga. No entanto, até julho de 2025, apenas 11 aves estavam vivas em vida livre.
Menciono estes casos porque, se o desenvolvimento do aviturismo focar apenas no uso em vez de construir relações afetivas, os problemas podem ser irreversíveis:
1° — Recebemos o nome “Terra dos Papagaios” porque a impressão era de que existiam muitos Psittacidae cruzando os céus. No entanto, o hábito de ter essas aves levou algumas espécies a desaparecer da natureza.
2° — O Brasil lidera o ranking de espécies exclusivas, sendo o terceiro país do mundo com o maior número de espécies endêmicas: 293 das 1.971 espécies descritas. Isso, por si só, já atrai um público de observadores que levam a atividade como uma competição e fazem de tudo para conseguir uma imagem perfeita. Há casos de “observadores” que chegam a mudar ninhos de lugar para garantir a foto ideal.
Por isso, é essencial que o aviturismo promova uma relação de convivência com a biodiversidade, que vá além da visão utilitarista de enxergar a natureza apenas como recurso ou entretenimento.
O retorno financeiro chegará por consequência se o foco estiver na conservação e no respeito às comunidades locais, que trabalham há anos para melhorar a situação do setor. Assim, antes de pensar em investir em infraestrutura, a recomendação é incentivar o reconhecimento da biodiversidade com conduta ética das pessoas que já praticam ou planejam trabalhar com a observação de aves.
Cultura, economia e conservação: a força do aviturismo
O turista que fortalece o aviturismo é aquele que movimenta toda uma rede: contrata pacotes com agências, aluga carros, hospeda-se em pousadas, contrata guias locais, consome a gastronomia regional e leva consigo memórias culturais.
Além do impacto econômico, há uma dimensão simbólica: o aviturismo conecta pessoas ao território. Turistas que vêm fotografar um quete-do-sudeste ou gravar o canto do sanhaço-frade, levam para casa mais que registros sonoros e fotográficos; eles compartilham e criam novas histórias.
Quando essa prática é estimulada de forma ética, ela potencializa a conservação e surgem novas oportunidades. Neste ano (2025), por exemplo, o Festival Cine Aves em sua quarta edição impactou o Mato Grosso do Sul (MS) e até a Mantiqueira (MG).
O concurso de curtas teve como tema os biomas do MS e nós participamos com filmagens nos brejos da Mantiqueira. Filmamos entre Gonçalves (MG) e São Bento do Sapucaí (SP), espécies de aves que também ocorrem no Pantanal sul-mato-grossense. A ideia foi alertar sobre o descaso ambiental destes ecossistemas através da arte, e nosso curta-metragem ganhou o segundo lugar na modalidade amador.
Essa premiação foi um marco em nossas vidas. O filme de 3 minutos tocou o coração de proprietários na Mantiqueira que tinham a intenção de “limpar” um brejo. Eles desistiram quando descobriram que as aves que tanto desejavam observar no Pantanal conviviam com eles no próprio quintal. Por desconhecerem a biodiversidade, não imaginavam que havia tudo isso tão perto deles.
Neste contexto, fica uma grande lição para a promoção do aviturismo: é essencial identificar os pontos fortes e fracos da atividade em suas diversas frentes.
Se a gestão focar apenas em determinadas regiões e em um público específico, podem ocorrer impactos negativos, como o caso da rolinha-do-planalto.
Os desafios do aviturismo
Há muitas pessoas que se encantam com as aves e, na intenção de apreciá-las ou fotografá-las, podem colocar as espécies e seus ecossistemas em risco por ignorarem os impactos de suas próprias ações.
Por isso, citei a rolinha-do-planalto, uma das espécies mais raras do Brasil. A pressão de observadores e fotógrafos foi tão grande que a área de ocorrência da rolinha precisou ser fechada para visitação.
Isso quer dizer que a convivência com aves raras e com uma natureza ímpar pode resultar na exclusão do aviturismo, caso o destino e seus agentes ignorem as boas práticas.
Assim, antes de divulgar uma pousada para observação de aves ou um atrativo turístico, é fundamental conhecer as espécies que vivem ali, entender seus hábitos e definir regras que evitem impactos negativos.
O aviturismo ético depende de planejamento, monitoramento e educação ambiental — caso contrário, pode se transformar em uma ameaça à biodiversidade. Por tudo isso, buscamos sempre dispersar conhecimentos para a comunidade, de modo que possamos pensar em soluções em conjunto. É desta forma que atuamos com aviturismo em Gonçalves (MG).
O Aviturismo em Gonçalves
Se você mostrar as fotos abaixo para observadores de aves experientes e perguntar onde essas espécies foram fotografadas, eles possivelmente irão responder "Campos do Jordão e Pantanal", destinos já consolidados no aviturismo.
Entretanto, essas espécies foram registradas em Gonçalves, uma pequena cidade no sul de Minas Gerais que abriga uma diversidade de habitats e espécies. Essa oportunidade se deve à grande variação nas altitudes (800 a 2.100 m).
Essa amplitude cria mosaicos de ecossistemas, como florestas com araucárias, brejos de altitude, planícies alagadas e florestas estacionais, o que favorece a observação de uma diversidade impressionante com pouco deslocamento.
Em uma manhã de verão, é possível encontrar aves típicas da Mantiqueira e, ao mesmo tempo, espécies pantaneiras atraídas pelas cheias dos riachos. Tal singularidade permite que Gonçalves ofereça roteiros diferenciados ao longo de todo o ano, reduzindo a dependência do turismo sazonal — um desafio comum a municípios serranos.
Compreender os movimentos migratórios das aves é excelente tanto para o município quanto para o visitante. O turista pode economizar ao frequentar o destino em baixa temporada e aproveitar melhor tudo o que a cidade tem a oferecer. Já o município consegue manter o fluxo de turistas o ano inteiro, não apenas no inverno, como é a situação de Gonçalves.
Experiência sensorial nas 4 estações em Gonçalves
O inverno é a estação que Gonçalves é mais procurada por turistas. É realmente um espetáculo: a paisagem muda ao longo do dia, o amanhecer com a geada deixa tudo mais bonito, e o céu azul-anil contrasta com as serras verdes, enquanto a pele sente o frio e o coração se aquece com tamanha beleza.

Quando o sol se esconde, leva com ele um conjunto de cores do abóbora ao violeta. Longe das luzes artificiais, ainda é possível contemplar o universo cintilante.
Para algumas pessoas é fácil levantar em plena madrugada para acompanhar a aurora e o despertar das aves, mas há outras que preferem dormir até mais tarde neste clima frio, sendo ou não praticante de birdwatching (observação de aves).
Aqui está uma grande vantagem de Gonçalves para o aviturismo: é possível começar as observações às 9h da manhã e contemplar pelo menos 30 espécies de aves. No inverno, os passarinhos ficam mais ativos assim que chegam os primeiros raios de sol e, dependendo do vale, a luz direta só vai tocar as copas das árvores após as 8h.
Já na primavera, o ideal é acordar cedo e iniciar a atividade o quanto antes, pois a sensação de ouvir a orquestra alada em meio às florestas com araucárias é indescritível. Para se ter uma ideia, uma pequena caminhada (1,2 km) matinal já rendeu 94 espécies observadas. Imagine o que pode reservar um fim de semana inteiro ou uns dias de férias!

O verão chuvoso convida os observadores a buscarem as aparições nada comuns nas regiões brejosas, que se enchem de vida e surpreendem qualquer pessoa — de iniciantes a experientes. É o momento perfeito para contemplar famílias de aves e perceber as diferenças entre jovens e adultos.
Já o outono é ideal para iniciar a prática de reconhecimentos das espécies através dos cantos. É a época em que ainda percebemos algumas aves migratórias em deslocamento e os cantos dos jovens se tornam mais semelhantes às vocalizações dos adultos (isso facilita o aprendizado).
Estes ciclos se complementam e permitem aos turistas terem diferentes experiências ao longo do ano, encontrando sempre uma nova Gonçalves em cada viagem.
Aviturismo para famílias em Gonçalves (MG)
Uma dúvida comum é se a observação de aves é feita apenas por adultos, fotógrafos ou especialistas. A realidade é que observar passarinhos é atrativo para todas as idades, e aqui em Gonçalves a atividade também pode ser feita por crianças.

Estimulamos o aviturismo para todas as idades e níveis de conhecimento. No roteiro Natureza em Família, crianças a partir de 5 anos recebem binóculos e cadernetas de campo. A proposta é lúdica: transformar a caminhada em descobertas, onde cada canto e voo ganham significados diversos.
O brilho no olhar de uma criança ao localizar sua primeira ave no binóculo é tão forte quanto a emoção de um veterano ao registrar uma espécie rara. Essa experiência compartilhada fortalece os vínculos familiares e desperta, desde cedo, a consciência ambiental.
Quem descobre a observação de aves em Gonçalves tende a voltar em outras épocas do ano para vivenciar novos cenários e encontrar diferentes espécies.
Aviturismo: além do ato de viajar
O aviturismo é uma tendência global e um convite para repensar a relação entre turismo, comunidade e natureza.
Como visto neste artigo, a observação de aves pode unir ciência, arte, educação, economia e cultura. Isso significa que ela transcende os limites das atividades turísticas. A prática revela um modo de sentir o município (a nossa casa) e nos relacionar com ele.
Quando a comunidade local aprecia e contempla a riqueza natural, a cidade inteira ganha, pois favorece a conservação da natureza, fortalece uma identidade de respeito socioambiental e abre caminho para um futuro mais equilibrado, convivendo com a biodiversidade em harmonia.






















Comentários